Lembra daquele momento em que você chegou a uma roda de amigos e parecia que tudo o que eles conversavam estava muito longe do seu universo… A forma de expressão era bem diferente, o vocabulário que eles utilizavam parecia estranho a sua realidade, até a pronúncia de certas palavras não figurava no seu cotidiano… Tudo isso tem um nome: variantes lingüísticas.
Sabemos que a linguagem humana é um fenômeno dinâmico. Por não ser estática, ela passou por diversas transformações ao longo dos séculos. Foram vários os fatores que contribuíram para estas mudanças. Dentre eles podemos destacar conquistas geográficas históricas como o processo de colonização, modificando as versões originais de cada idioma, adequando a língua a novos contextos cronológicos, políticos e sociais.
Existe uma série de abordagens teóricas sobre a variação lingüística. Cada autor uma vai analisar a mudança conforme suas teses e crenças. Mesmo diante desta diversificação, temos algumas unanimidades presentes em todas elas. Esta composição permite classificar os modelos e compreender suas peculiaridades presentes em nosso cotidiano.
- Visão diacrônica (histórica)
Um modelo que trata sobre a evolução da linguagem ao longo do tempo. Ele vai observar as transformações da língua sob o ponto de vista fonético, morfológico, sintático e semântico. Um exemplo muito peculiar em nosso idioma foi a variação do latim clássico para o latim vulgar, dando origem à criação de novas línguas românicas como o português, o espanhol, o francês, dentre outras.
- Variação diatópica (geográfica)
Análise da variação da língua conforme a posição geográfica de seu uso. Conhecida pelo termo dialeto ou regionalismo. É o caso , por exemplo, da distinção feita na pronúncia do termo “guri”, utilizado no sul do país, e o termo “menino” ou “moleque” usado em outras regiões.
- Variação diastrática (social)
Modelo em que a língua é observada conforme sua condição social como classe, educação, profissão, dentre outros. Estuda-se nesta linha como os registros sociais influenciam na escolha das variantes lingüísticas. Uma das teses defendidas nesta corrente teórica é de que o vocabulário de uma classe social mais elevada tende a ser mais próximo da norma culta, ao passo que nas classes inferiores predomina a linguagem coloquial ou informal.
- Variação diafásica (estilística)
Uma espécie de variação relacionada ao registro ou estilo de linguagem e suas alternâncias no contexto da comunicação (formal, Informal, técnico, etc). Ela envolve a adaptação da fala ou escrita conforme seja a situação, o interlocutor e o objetivo. Como exemplo tem a diferença entre a fala de uma pessoa em um grupo de amigos e uma entrevista de emprego. Muda o cenário, muda o contexto, naturalmente muda o vocabulário também.
- Variação diamésica (meios de comunicação)
Variação relacionada ao meio por onde a comunicação é transmitida. Cada plataforma tem sua linguagem específica. Os veículos de mídia tradicionais têm em sua linha editorial uma diretriz de linguagem a ser utilizada. Isto vai impactar diretamente na forma como a mensagem é comunicada. Elementos da fala, da escrita e da internet podem influenciar na forma de uso da linguagem. O melhor exemplo desta variação está na redação de textos nas redes sociais, muito mais coloquial e abreviado do que um e-mail corporativo.
- Variação etnolinguística
A coexistência de línguas e culturas distintas pode proporcionar uma variação da linguagem em diferentes grupos étnicos. Isto vai ser uma característica bem mais presente nos países que sofreram algum processo de colonização. No Brasil fica evidente a influência das línguas indígenas no exemplo de termos como (pipoca, mandioca) e africanas nos vocábulos (quitanda, samba), que passaram a ser reconhecidas em nosso vocabulário e transcritas em nossos dicionários.
- Variação etária
Este modelo de variante estuda como diferentes grupos etários utilizam a linguagem de maneira distinta. Temos como exemplo o emprego de gírias, geralmente vinculadas à comunicação de gerações mais jovens, em contraposição à linguagem relativamente mais formal peculiar às gerações com maior faixa etária.
- Variação de gênero
Esta linha de análise vai examinar como a língua pode variar entre os gêneros, considerando a dicotomia nos vocabulários e expressões entre homens e mulheres. Pesquisas revelam que em algumas culturas as mulheres tendem a usar forma lingüística mais polida e formal, enquanto os homens podem optar por um estilo mais direto e informal.
Pre (conceito) Línguístico
Uma vez apresentado este rol de variações lingüísticas inseridas em qualquer grupo social, a definição do preconceito vem a ser a discriminação ou julgamento negativo que uma pessoa ou grupo sofre com base na sua forma de expressão verbal, incluindo aspectos como vocabulário, sotaque, gramática e até mesmo pela escolha de uma determinada variante linguística. Uma forma de preconceito ora velado, ora explícito que ocorre quando se estabelece uma espécie de hierarquia entre as diferentes formas de usar uma língua.
Este processo muitas vezes subjetivo estabelece conceitos de “certos” e “superiores” para justificar a interpretação de outras formas vistas como “erradas” ou “inferiores”. Isto naturalmente vai refletir na consolidação das desigualdades sociais e regionais, criando estigmas contra grupos “marginalizados” por esta premissa.
Formas de Manifestação do Preconceito Línguístico
Preconceito Regional – Discriminação contra falantes de determinadas regiões do país, relacionando o sotaque ou dialeto a características negativas como falta de cultura ou má educação, tratando estes falantes como menos capazes intelectualmente.
Preconceito Social – Desvalorizar a fala de pessoas das classes sociais menos favorecidas, muitas vezes associando ao uso de uma linguagem mais informal, composta por gírias, e com menos estrutura gramatical formal.
Preconceito Racial – Isto ocorre quando a fala de determinados grupos étnicos ou raciais é vista como “errada” ou “menos correta” devido à influência de outros idiomas ou de diferentes tradições culturais.
Preconceito Contra a Variedade Padrão – Firmar a crença de que apenas a norma culta (formal) da língua é válida e aceitável, desvalorizando assim as variedades regionais, coloquiais ou populares.
Preconceito de Gênero e Idade – O tipo de discriminação cometida com base nas variações lingüísticas relacionadas ao gênero ou à idade do falante. Como exemplo tem a forma de linguagem feminina, muitas vezes rotulada como emocional ou indireta. Ou ainda a linguagem dos jovens, composta por gírias ou neologismos.
Preconceito contra o Bilinguismo ou Multilinguismo – Desqualificar a fala de quem usa as variantes regionais ou misturando idiomas, considerando esta prática como falta de competência lingüística. Citamos como exemplo a mistura do português com o espanhol, grotescamente chamado em nossa sociedade de “portunhol”.
Como Combater o Preconceito Linguístico nas Empresas
Promover a conscientização sobre a diversidade lingüística, realizando treinamentos e palestras para esclarecer como as variantes da língua são legítimas e que o preconceito sobre elas serve para esconder problemas sociais ainda mais amplos e ocultos.
Muito importante para a empresa incentivar os colaboradores a expressarem suas falas de maneira natural, respeitando sua origem regional, social ou cultural, onde o sotaque ou expressões sejam reconhecidos como identidade cultural.
A empresa deve oferecer treinamento para gestores e recrutadores como forma de evitar a discriminação tendo por base a linguagem durante um processo de recrutamento ou promoção de cargo, avaliações de desempenho e nas relações cotidianas.
Uma das formas de combate ao preconceito lingüístico está na implementação de políticas de comunicação que sejam inclusivas, respeitando as diversidades, e não impondo a norma formal da língua em situações em que não haja a exigência tácita de sua aplicação.
Criar uma espécie de monitoramento e feedback constante, abrindo canais onde os colaboradores possam relatar casos de preconceito e receber o apoio adequado. A realização de pesquisa de clima organizacional pode ser um dos instrumentos a serem utilizados para detecção de sinais preconceituosos ou discriminatórios em relação à linguagem dos colaboradores. Esta variação de linguagem tem relação direta quando fazemos a análise do discurso em situações de fala.
Combater o preconceito lingüístico nas empresas é fundamental para a manutenção de um ambiente de trabalho inclusivo, respeitando e valorizando a diversidade dos colaboradores. Paralelamente a isto, temos a tendência de aumento na produtividade, melhora nos processos de comunicação interna, fortalecimento da imagem da empresa, dentro e fora de suas dependências, e uma redução na rotatividade dos funcionários.
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